
As recomendações para a criação de leis indicadas pela Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-Rio) foram apresentadas na forma de projetos de lei ou proposta de emenda à Constituição estadual, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). A questão foi debatida esta semana em audiência pública conjunta das comissões de Direitos Humanos e Cidadania e de Segurança Pública e Assuntos de Polícia da Alerj.
O relatório final foi apresentado em dezembro do ano passado. De acordo com a advogada Rosa Cardoso, integrante da Comissão Nacional da Verdade e que coordenou os trabalhos finais da CEV-Rio, as recomendações vieram de vários fóruns de militância de direitos humanos e de luta pela memória, verdade e justiça.
“Elas surgiram em vários locais, vários fóruns defenderam as mesmas reivindicações, as mesmas recomendações. Por isso que elas são importantes, porque não é uma proposta só da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro. As comissões dos outros estados, a comissão nacional, as universidades todas, há um consenso em que nós devemos fazer essas propostas. É um efeito prático dos tempos de luta, das comissões da verdade”.
Ao todo, entre projetos novos e que já tramitavam na casa, são sete propostas que tratam do reconhecimento do direito coletivo à memória e à verdade na Constituição do estado; a proibição do uso de símbolos, cânticos, celebrações e expressões que representam a morte, o extermínio ou a tortura em bens públicos; e à instituição do dia 28 de março como o Dia Estadual da Memória, Verdade e Justiça na rede estadual de ensino.
Dos projetos antigos, foram desarquivados os que tratam do tombamento e transformação em centro de memória da Casa da Morte de Petrópolis, do prédio do Dops no centro do Rio e do Estádio Caio Martins, em Niterói, além de um que trata de reparação econômica para ex-presos da ditadura. O Dops era o Departamento de Ordem Política e Social, à época. A ditadura vigorou de 1964 a 1985 no Brasil.
O advogado Carlos Eduardo Martins, assessor jurídico do deputado Flavio Seraffini, relatou que as propostas foram apresentadas em conjunto por Seraffini e o deputado Marcelo Freixo, ambos do PSOL. De acordo com ele, o principal é a PEC apresentada no início do ano que acrescenta um artigo ao capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos.
“A PEC tem a tramitação diferenciada, só passa pela Comissão de Emendas Constitucionais e, depois, vai para o plenário. Estamos tentando articular para ela ir para plenário ainda neste mês de abril. A PEC, a gente considera que é a linha mestra. Dali surgem direitos que vão povoar a legislação interna, infraconstitucional do estado, no sentido de garantir todas as premissas que estão ali colocadas. Deve ser ressaltado o ineditismo da medida”, informou Martins, referindo-se à proposta de Emenda à Constituição do estado.
São dez parágrafos, que tratam da criação de espaços de memória, mudança de nomes de logradouros que façam homenagem as agentes da repressão, tratamento técnico dos documentos da ditadura, atendimento psicológico às vítimas e familiares, retificação dos registros de óbito, estipulação de uma data oficial para o enfrentamento à tortura, determinação de currículo mínimo sobre ditadura e memória nas escolas, busca pela eliminação dos autos de resistência, revisão das cassações políticas feitas entre 64 e 85 e, por último, criação de linhas de pesquisa para museus, universidades e bibliotecas que busquem informações sobre fatos ainda não esclarecidos da ditadura.
Marcelo Freixo, que é presidente da Comissão de Direitos Humanos e professor de história, destacou a importância de se resgatar o passado e criar centros de memória, para que erros do passado não sejam repetidos. Ele afirmou que a cidade do Rio de Janeiro não preserva sua memória.
“É muito curioso, porque a gente já se conhece há muito tempo nessa luta pela defesa dos direitos humano e pela defesa do direito à verdade e memória, em uma cidade que tem o Museu do Amanhã mas não olha para o ontem. É inadmissível que uma cidade como o Rio de Janeiro não tenha a memória sobre a escravidão, sobre a população negra, não tenha memória sobre a ditadura civil-militar e continue com pequenos equívocos sobre essas inverdades”.
Freixo também destacou que já foi criada uma subcomissão dentro da Comissão de Direitos Humanos da Alerj para pesquisar a memória e verdade em tempos de democracia. “Eles já estão trabalhando, são três jovens pesquisadores que foram selecionados por análise de currículo e já estão ajudando na CPI que investiga os autos de resistência”.