
A operação da Polícia Civil e do Exército que deixou sete mortos no Salgueiro, em São Gonçalo, no último dia 11, contou com homens encapuzados num local de mata, que atiraram contra as vítimas. O relato é de um padeiro de 19 anos, que foi baleado nas duas mãos quando conduzia sua moto pela Estrada das Palmeiras naquela madrugada. Ele contou que os disparos não saíram dos blindados das forças de Segurança.
Ainda internado num hospital da Região Metropolitana do Rio, ele disse que os tiros vieram da direção de um matagal — onde pôde ver, escondidos, homens vestidos de preto, com capacetes e fuzis com mira a laser.
“Saí da casa da minha namorada por volta de 0h30 de moto. Vi um amigo num ponto de ônibus e dei carona para ele. Pegamos a Estrada das Palmeiras. Num momento, ouvi fogos, mas como não vi nenhum caveirão, segui. Pouco depois, passou um carro, muito rápido, do meu lado. Logo depois fui atingido nas mãos. Os tiros vieram de dentro do mato. Só depois de caído, vi que vários homens de preto, todos cobertos e com capacetes, saíram do matagal. Todos estavam com fuzis. Das armas, saíam aquelas marcas de mira a laser. Antes de ser atingido, vi algumas pelo meu corpo — contou o jovem, que aguarda uma cirurgia nas mãos, mas passa bem.
O depoimento da testemunha pode mudar o rumo das investigações da Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo (DHNSG), que já começou a ouvir as vítimas que sobreviveram. O amigo do padeiro, que estava na garupa da moto, foi atingido na boca e está internado em coma induzido em outro hospital. Quatro baleados naquela madrugada sobreviveram. Só um teve alta médica.
Relato difere das versões oficiais
O relato da testemunha contradiz as versões das Forças Armadas e da Polícia Civil sobre a operação. Policiais da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) afirmaram, em depoimento, que entraram na favela em três blindados — um da Core e dois do Exército — e não dispararam. Já o Exército alegou, em nota, que 17 homens participaram da operação e nenhum atirou. Nenhum dos órgãos citou a participação de homens na mata.
O padeiro também contou que os homens que saíram do matagal ainda tiraram uma foto sua e roubaram o seu celular. Ele afirma ainda ter visto os blindados passarem, mas nenhum agente o socorreu. O jovem só foi levado a um hospital às 4h, quando foi encontrado por sua irmã e por seu patrão.
“Eu e meu amigo ficamos quase três horas perdendo sangue”, contou.
Os agentes da Core que participaram da operação já foram ouvidos na DH. O Comando Militar do Leste (CML) informou que os militares não vão prestar depoimento na delegacia especializada. Segundo o órgão, eles estão à disposição da Justiça Militar, no âmbito federal. O Ministério Público Militar da União abriu, na última terça-feira, um procedimento preliminar para apurar a operação. A promotoria pediu informações ao CML e poderá abrir uma investigação para apurar possíveis crimes cometidos pelos militares.
O Exército, no entanto, sequer abriu inquérito para investigar o caso. “Não há indícios de crime militar que motive instauração de um Inquérito Policial Militar, já que não houve disparo de arma de fogo partindo dos militares envolvidos na ação”, alega o CML.