
Nelson Jr./SCO/STF
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defendeu ontem (1), em discurso na solenidade de abertura do ano judiciário no Supremo Tribunal Federal (STF), que a execução da pena possa ter início após a confirmação da condenação por um tribunal de segunda instância. A PGR já havia defendido a medida em outras oportunidades. “Muito já foi feito, mas é necessário avançar para depurar problemas crônicos”, disse. “Como instituição de justiça, o Ministério Público tem agido e pretende continuar a agir com o propósito de buscar resolutividade, para que a justiça seja bem distribuída, para que haja o cumprimento da sentença criminal após o duplo grau de jurisdição, que evita impunidade, para defender a dignidade humana, de modo a erradicar a escravidão moderna, a discriminação que causa infelicidade, e para assegurar acesso à educação, à saúde e a serviços públicos de qualidade, de modo a garantir vida longa e feliz para todos”, afirmou Dodge.
A possibilidade de revisão do tema ganhou força após a sentença aplicada ao ex-presidente Lula no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) no último dia 24 — confirmando sentença do juiz Sérgio Moro que considerou o petista culpado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP).
Antes da segunda sentença, a presidente do STF, Cármen Lúcia, cogitou rediscutir o tema no tribunal, o que poderia levar a um adiamento do cumprimento da pena. Mas depois voltou atrás e disse que não pautaria a questão porque utilizar o caso de Lula para revisar a decisão sobre prisão após segunda instância seria “apequenar” o tribunal.
Em 2016, o STF permitiu a execução da pena após a condenação na segunda instância. No caso de Lula, cabe ainda um recurso, chamado de embargo de declaração, depois ele já poderia começar a cumprir sua pena.
No ano passado, ministros do STF deram declarações indicando que o Supremo pode rever a decisão. Dentre eles, Gilmar Mendes – que, à época, foi voto importante para a decisão, mas hoje indica ter mudado de ideia.
Em seu discurso, Dodge foi enfática ao afirmar que “as decisões judiciais devem ser cumpridas”. “Os direitos, restaurados. E os culpados precisam pagar por seus erros. Só assim acaba a sensação de impunidade e se restabelece a confiança nas instituições”.
Raquel Dodge apontou que o momento atual do Brasil “não é de conforto”, citando a realidade da violência urbana, da crise nas penitenciárias, da corrupção “ainda disseminada” e do sentimento de impunidade que toma a sociedade. “A experiência de uma realidade dolorosa para brasileiros reclama urgência de resultados e uma Justiça que não tarde”, afirmou.
Ela citou ainda Ulysses Guimarães, que presidiu a Câmara dos Deputados e morreu em 1992. Em 1988, ele tinha dito: “Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública.”
Para Dodge, as instituições do Judiciário estão funcionando “de forma independente e trabalhando arduamente”.
“Agi firmemente em nome do interesse público para encontrar caminhos que façam chegar a Justiça aos mais necessitados. Temos que avançar para depurar problemas crônicos”, disse a procuradora-geral.
‘Quaquá’ contraria cúpula do PT
e fala em ‘plano B’ a Lula
O presidente do diretório estadual do PT do Rio, Washington Quaquá, ex-prefeito de Maricá quebrou o silêncio que imperava no PT sobre a possibilidade de um substituto para Luiz Inácio Lula da Silva, o chamado “plano B”, caso o ex-presidente seja impedido pela Justiça de disputar a Presidência na eleição do dia 7 de outubro. A iniciativa contraria decisão do partido de formalização da pré-candidatura do petista tomada um dia após Lula ter condenação confirmada pela Justiça da segunda instância por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá (SP).
Em texto intitulado “Permita-me discordar!”, postado na quarta-feira, 31, na página oficial do PT-RJ no Facebook, Quaquá propõe que o PT mantenha a candidatura de Lula até o limite legal, conforme já foi aprovado e divulgado amplamente pelo partido, mas discuta abertamente o “plano B” e escolha “um petista amplo e com experiência de governo, sem sectarismo, que seja seu companheiro de chapa e substituto em caso de violência institucional do TSE [Tribunal Superior Eleitoral]”.
Segundo Quaquá, ao insistir em não apontar uma alternativa a Lula, o PT corre risco de transformar sua “bomba nuclear” em um “artefato inativo eleitoralmente”.
“E por fim, sinceramente, precisamos discutir muito bem o que é esse negócio de não ter ‘plano B’. Não temos nenhuma dúvida de que Lula é nosso líder e, muito mais que isso, o líder do povo brasileiro! Ele comandará essa eleição queira ou não o estado policial! Mas nós não podemos fazer burrada e nos isolar ao ponto de tornar a nossa maior arma; a nossa bomba nuclear, em um artefato inativo eleitoralmente. Lula tem que ser inscrito nosso candidato mesmo com a condenação e mesmo preso, se eles chegarem a esse cúmulo do arbítrio! Mas temos sim que ter um petista na chapa, como vice, desde já que sinalize pro Brasil e pro meio político qual o caminho vamos seguir caso façam uma violência maior e desmedida! Lula tem que dizer para o Brasil e para o povo! Eu sou ‘fulano’ e fulano sou ‘eu’. Querem me fazer uma violência para acabar com os direitos do povo! Se fizerem, eu estarei representado por “Fulano” e vocês vão ser meus guardiões votando nele e nos nossos deputados, senadores e governadores! Essa é inclusive a melhor forma de resguardar o Lula! Escolhendo um petista amplo e com experiência de governo, sem sectarismo, que seja seu companheiro de chapa e substituto em caso de violência institucional do TSE! Esta é inclusive uma forma de dissuasão de uma violência maior, porque tornará esta inócua, pois o resultado eleitoral será definido pelo próprio Lula. Os juízes e todo esse complexo golpista saberão que vão violentar o vitorioso das eleições presidenciais”, escreveu.
>> Repercussão – O texto teve ampla repercussão interna no partido. Segundo petistas, a opinião de Quaquá reflete a posição de um setor minoritário da corrente Construindo um Novo Brasil (CNB), a maior do PT, da qual faz parte o próprio Lula. De acordo com dirigentes petistas, Quaquá fez a postagem depois de participar de uma reunião da corrente em São Paulo.
Segundo ele, o que está em jogo são dois caminhos diferentes para a reconstrução do PT sem Lula. O primeiro, sem “plano B”, seria de médio prazo, pois pressupõe uma derrota eleitoral. O segundo, conforme Quaquá, permitiria a formação de uma aliança em torno de Lula, manteria o poder do ex-presidente de influir no resultado da eleição deste ano. “Precisamos decidir se queremos apenas reconstruir o PT com 30% da sociedade. Organizar o povo com uma nova organização, “mais à esquerda”, nem que para isso tenhamos que ser derrotados e levar Lula para o martírio, que aliás potencializará a organização mais nítida e de esquerda de nosso partido ou de nosso campo. Um processo de reorganização de médio prazo, mas que pressupõe a derrota nesta conjuntura. Ou se vamos buscar barrar o estado policial já! Neste processo eleitoral de 2018, combinado com ampla mobilização popular, centrada na organização dos comitês nas periferias e junto ao povo. Alianças e frente ampla democrática com setores fora da esquerda. E levar a candidatura Lula até o fim, mas já apontando um vice/parceiro/candidato alternativo em caso de violência. Só uma tática ampla, viável e eleitoralmente concreta pode nos levar à vitória. E a vitória é possível!”, disse Quaquá no texto.
Radicalização e desmoralização
De acordo com ele, o discurso radical em defesa de Lula pode levar à desmoralização do PT se não houver o apoio popular nas ruas esperado pela direção do partido.
“O discurso esteticamente radical nosso não vai nos levar a nada. Esse discurso estreito de incitar um movimento de massas sem massa terá efeito desmoralizante! Uma revolução sem exército popular não é revolução é blefe!”, escreveu o dirigente.
O nome preferido da CNB para substituir Lula é o do ex-governador da Bahia Jaques Wagner que, no entanto, prefere disputar o Senado. Outro nome citado é o do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que não vai ser candidato nas eleições deste ano e foi escolhido por Lula para coordenar o programa de governo do PT. (AE)