Esplanada sem mulheres: 30 anos de retrocesso
por Ana Paula Moresche
amoresche@jornalhoje.inf.com.br

Em menos de 12 horas no poder, o presidente interino do Brasil Michel Temer (PMDB) reduziu de 32 para 23 o número de ministérios. Entre os extintos estão os Ministérios das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos; Cultura; Comunicações; e Justiça e Cidadania. A determinação promoveu um retrocesso de 30 anos, visto que no elenco governativo não tem uma mulher. A ausência da participação feminina no poder executivo federal retornou no tempo e, “pasmem”, voltou ao patamar do governo Ernesto Geisel (1974-1979).
Enquanto aguardamos os 180 dias de afastamento da presidente eleita pelos brasileiros Dilma Rousseff (PT), para o julgamento do processo de impeachment, o primeiro escalão do novo governo, empossado na última quinta-feira (12/05), é totalmente branco, masculino e sem representatividade da grande maioria da população. A situação se agrava quando, do total dos ministros indicados, pelo menos 16 (69%) respondem ou já foram condenados por algum crime na Justiça comum ou eleitoral. O próprio Michel Temer é alvo de suspeitas de ligações ilícitas em pelo menos quatro investigações vinculadas a Operação Lava Jato.
A resolução de montar o “clube do bolinha”, causou indignação em boa parte da população brasileira, a qual mais de 50% é mulher. A decisão também representa uma quebra de paradigma, quando comparado com o governo de Dilma, que, além de ser a primeira presidente mulher do país, nomeou 15 ministras ao longo de seus dois mandatos. O segundo é o governo Lula que abrigou 11 mulheres na Esplanada entre 2003 e 2011.
A responsável pela Organização das Nações Unidas ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman criticou a falta de representação feminina na “Era Temer”, alegando que a sociedade brasileira não está representada. Em entrevista recente, a representante da ONU lembrou que há 20 anos os Estados-membros da ONU “assumiram o compromisso com a representação mínima de 30 por cento de mulheres em todos os níveis de poder”, mas, lamentou, “pouco se avançou nesse sentido”.
Ela ainda destacou que o Brasil apoiou a iniciativa global da ONU Mulheres “Por um planeta 50-50: um passo decisivo pela igualdade de gênero” e garantiu que “Mecanismos específicos para os direitos de mulheres, população negra, juventude e direitos humanos são decisivos para enfrentar desigualdades estruturais que excluem ou inviabilizaram os direitos da população”.
Repercussão negativa na imprensa internacional
Para a mídia internacional, a questão não é mais nem a legalidade do impeachment ou a mudança dos governos, mas o fato de que o processo representa o fracasso do modelo político do país. Nos editoriais, jornais como o “New York Times”, “The Guardian”, “Le Monde” e “Financial Times” indicaram que o Brasil precisa de reformas profundas, e que trocar Dilma por Michel Temer, não é solução para as crises enfrentadas pelo país.
Fracasso de Michel Temer na estreia. Essa é a opinião do jornal francês Le Monde, que na edição desta segunda-feira (16) publicou os primeiros passos do presidente interino em Brasília. A correspondente em São Paulo, Claire Gatinois, escreve no texto que as primeiras medidas anunciadas deixam qualquer um perplexo: um ministério sem mulheres; a extinção da pasta da Cultura, reduzida a uma secretaria de Estado; e sete ministros citados em inquéritos judiciais, “sem dúvida o mais preocupante”.
O americano The New York Times afirma que a presidente afastada Dilma Rousseff paga um preço “desproporcionalmente alto” por erros administrativos que cometeu, enquanto vários de seus maiores detratores são acusados de crimes mais flagrantes. O veículo ressalta que Temer foi condenado pela Justiça eleitoral e está inelegível por oito anos e o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que aceitou o pedido de impeachment de Dilma, foi afastado por denúncias de corrupção.
O editorial do Financial Times diz que a Operação Lava Jato pesa sobre boa parte do Congresso e até sobre o próprio Temer. Por isso, o editorial defende que o presidente em exercício “deve permitir que as investigações continuem seu curso”.
O Guardian publicou duro editorial, criticando o processo e avaliando que o sistema político é que deveria ser julgado, e não a presidente da República. O texto defende que o Brasil deveria ter profunda reforma para tornar a política mais funcional e honesta, mas lamenta que a equipe apresentada na quinta-feira mostra que é “muito duvidoso” que o governo Temer dará esse salto.
O Guardian diz que o sistema político brasileiro é tão disfuncional que a corrupção é “praticamente inevitável” para a governabilidade. “Dilma herdou esse legado infeliz e começou a perder o controle em um período de declínio econômico e quando a corrupção, graças à polícia e a promotores independentes, começava a se tornar um escândalo de proporções crescentes”. O texto também cita que houve preconceito machista e ressentimento da direita que nunca aceitou a ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva e do PT. O jornal avalia que Dilma pode ter sido uma governante “ruim”, mas foi eleita duas vezes nas urnas e não há evidência de que ela usou seu cargo para enriquecimento pessoal, enquanto outros políticos que a acusam estão envolvidos em escândalos de corrupção.