Por Renato Pereira (texto e fotos)
Parecia surreal. A fabricante sueca fundada por Christian Von Koenisseg, que busca construir os melhores super-carros esportivos do mundo, com motores V8 absurdamente potentes, surpreendeu o mundo com um motor 3 cilindros com 1.700Cv criado especificamente pata o modelo Gemera 2.0, que atingia a “módica” velocidade máxima de 400 km/h!
Isso foi em meados de 2020 quando, embalado pelo sucesso de seus super-carros 2 lugares desde 1994, veio a idéia de um carro “familiar”, para 4 pessoas, tecnologicamente inovador, e criou a pequenina unidade de força batizada como TFG – Tiny Friendly Giant (Pequeno Gigante Amigo) – um motor 3 cilindros, 2,0 litros, bi-turbo, que gera 600Cv de potência. Somada com os 3 motores elétricos do trem de força híbrido proposto, essa potência pulava para 1.700Cv e inimagináveis 356 kgfm de torque – 5 vezes um Camaro 6.2 V8 – para equipar o Gemera 2.0.

Com 300Cv de potência por Litro, o TFG tem a maior potência específica entre todos os outros propulsores já vistos para um carro de produção em série, até porquê o motor 3 cilindros mais próximo em potência equipa o Toyota Yaris GR com 268Cv. O que torna este motor ainda mais incomum é o emprego da tecnologia desenvolvida pela Cargine Engineering AB, empresa irmã da Koenigsegg, com seu cabeçote FreeValve sem eixos comando de válvulas, com atuadores pneumáticos abrindo e fechando cada válvula de forma independente.

A Koenigsegg procurava algo compacto, leve e com grande potência, e decidiu reverter a configuração convencional, onde o motor à combustão interna (ICE) fornece a maior parte da potência total, e no Gemera 2.0 a maior parte da potência viria dos motores elétricos e o TFG fornecendo alguma (600Cv é “alguma”?) potência, para além de carregar as baterias e o sistema de transmissão híbrido. Este foi o critério para o desenvolvimento deste motor com 3 cilindros em linha, uma configuração que não é mais uma novidade, mas que, por outro lado, é tecnicamente o motor mais extremo e complexo no que tange à tamanho, peso e potência. Conseguiram a façanha empregando uma arquitetura com pistões de 95mm de diâmetro e curso do virabrequim de 93,5mm, e mesmo assim, com tudo “grande”, com giros altos, onde a potência máxima é atingida a 7.500 Rpm, a “linha vermelha” nos 8.500 Rpm e pesando no total de apenas 70Kg.

A configuração seqüencial dos turbos também é engenhosa, já que o TFG possui 2 válvulas de escape por cilindro, sendo uma para o turbo pequeno e outra para o turbo grande. Em baixas rotações, apenas a válvula do turbo pequeno se abre e, acima de 3.000 Rpm começa a abrir a válvula do turbo grande, gerando um enorme impulso. Vale destacar que, mesmo sem os turbos, numa versão naturalmente aspirada, este motor gera 280Cv de potência.

E então chega a vez do sistema FreeValve, onde cada válvula do cabeçote é comandada pneumaticamente de forma individual, sem eixos comandos de válvulas,“sabendo” quanto abrir, quando abrir e o tempo de sua permanência aberta. Assim, em baixas rotações, apenas uma das válvulas de admissão de combustível por cilindro se abre, distribuindo uniformemente o combustível. Com o sistema FreeValve ajustando constantemente a elevação e duração das válvulas de admissão, o motor pode desligar cilindros em tempo real, economizando combustível e emitindo menos poluentes. É maluco? Não acabou. Mais maluco ainda é que este sistema também oferece a alternância de operação do motor entre o Ciclo Otto de 4 tempos convencional com o Ciclo Miller, também de 4 tempos, mas onde a fase de expansão é maior do que a fase de compressão, com a válvula de admissão aberta, uma espécie de ciclo-expandido dos gases queimados, que seriam perdidos no escapamento, aumentando a potência e eficiência do motor. Dessa forma, o TFG pode funcionar como um motor 2 tempos até os 3.000Rpm, quando volta ao 4 tempos, porquê não há tempo para trocas gasosas em rotações mais altas.

É claro que um sistema complexo como este é mais caro do que um motor de configuração normal, porém emprega menos matéria-prima, reduzindo seu peso e, no cômputo total, o motor TFG custa a metade do preço do motor V8 5,0 Litros bi-turbo da própria Koenigsegg. Para além disso, se abastecido com gasolina convencional, o TFG 3 cilindros 2,0 Litros produz “apenas” 500Cv. Funciona e bem, porém este motor foi desenvolvido como Flex e prefere ser alimentado com Álcool – Etanol, Butanol, Metanol ou qualquer combinação destes, e os combustíveis à base de Álcool são fundamentais para o TFG ser um motor à combustão interna mais “limpo” e neutro em carbono. É por essas e outras vale dizer que sempre podemos contar com a Koenisegg para fazer as mesmas coisas de maneiras diferentes – e melhor.

Porém, o Gemera 2.0 não entrou em produção com essa configuração, e sim com seu trem de força sendo uma monstruosidade V8 de 5,0 Litros, híbrido, com absurdos 2.400Cv de potência – nada mal para passear com a família em um fim de semana, desde que o dono se lembre de ligá-lo na tomada entre um passeio e outro –, mas que deixou um “buraco” no mercado. Só que o motor Koenigsegg TFG não morreu, e certamente esta configuração chegará ao mercado, uma vez que a Koenigsegg estava desenvolvendo um software de inteligência artificial que controlasse todos os processos do TFG e suas válvulas sem comandos – que tinha mãos humanas nestes ajustes – motivo provável do adiamento de sua produção em série. Melhor do que lançar e ter de fazer recall, certo?