Por Renato Pereira (texto e fotos)
PS – O objetivo desta matéria não é unicamente avaliar um tipo de motorização que, do ponto de vista ambiental e tecnológico, é a fina nata da engenharia, mas sim, tentar entender por quê até hoje ainda não é a cereja no bolo dos propulsores automotivos e de transportes!

Vamos começar com uma analogia. Para se formar uma molécula você vai colocando átomos nela, mas existe um limite máximo desses átomos para colocar senão a molécula pifa. É por isso que se tem o hipoclorito, o clorito, o cloreto, o clorato e então o perclorato, por exemplo, ou óxido e peróxido, por quê estão no nível máximo de átomos de oxigênio dentro da molécula. E, para defini-la, quando se está no limite máximo usa-se o prefixo PER. Trazendo para o mundo cotidiano, pode-se fazer ou PERfazer. Pode-se seguir e PERseguir; uma coisa pode ser feita, mas pode ser PERfeita. PER é o nível máximo. Deve ser por isso que ainda não se chegou a nenhuma definição PER na engenharia motriz automotiva, não criaram ainda um PERengine?

Se você prestar atenção, de tempos em tempos surge uma onda, que se transforma em tsunami, sobre determinado segmento da engenharia automotiva. Em 99,9% desses casos essa onda diz respeito aos combustíveis, seja porque “o petróleo vai acabar em 10 anos”, seja pela “camada de ozônio”, seja pela “Floresta Amazônica”, seja lá pelo que for, mas via de regra o ciclo se repete, um monte de idéias aparecem, a imprensa enlouquece, tudo é novidade, tudo promete salvar o planeta e a humanidade. Só que não. Nada é novo, tudo é requentado, nada acontece, o mundo e a humanidade (fora ficar cada dia mais chata) estão iguais, e tudo volta à normalidade forçada dos mesmos propulsores movidos pelos mesmos combustíveis, movimentando veículos que rodam sobre pneus desde o comecinho do século 19, onde talvez a maior inovação de lá prá cá tenha sido os limpadores de pára-brisas (… dizem que foi uma invenção portuguesa, que os alemães aperfeiçoaram e colocaram do lado de fora do carro…).

É pessimismo, negacionismo ou qualquer outro “ismo”? Não, é realismo. Fora os exemplos citados – dos pneus a limpadores aparentemente insubstituíveis e ninguém se mexe –, a onda tsunâmica atual são – de novo – os combustíveis, e dá-lhe “invenções” como carros 100% elétricos, plug-ins e híbridos, combustíveis sintéticos, blá-blá-blá – tudo velho e requentado – e, eis que volta à cena, e com força, os motores à hidrogênio – que foi o combustível do primeiro motor de combustão interna produzido.

E não dá para se acreditar que, com tanta tecnologia de polímeros, nanos, grafenos, cerâmicas, grafites, carbonos, nióbios e quetais com que a química se meteu e evoluiu, a física impulsionada pela inteligência artificial e o mundo quase cibernético dos Jetsons, níngüem tenha inventado (tá bom, atualizado um projeto de 1801) um motor HICE – Hydrogen Internal Combustion Engine – categoria PER. Claro que já avançaram anos-luz neste sistema.
Mas existe uma PERfídia neste mundo da tecnologia automotiva e transporte. Você pode inventar o que quiser que interesses ocultos (ou nem tão ocultos assim) vão te barrar, de uma forma ou de outra. Te compram o sistema proibindo que você dê continuidade ou pense em fazer algo similar, ou criam um jeito de te esmagar no mundo industrial de forma que não tenha a menor credibilidade, ou você some. De qualquer maneira, já era a “inovação” que poderia mudar os rumos no setor. Um exemplo prático disso é ver quantos inventores e/ou suas marcas foram incorporadas ou desapareceram ao longo do tempo. A lista é infinitamente maior do que as que sobreviveram.

No caso específico dos propulsores criados para impulsionar veículos à motor, as coisas andam exatamente como descrito acima. John Davidson Rockfeller era o bilionário que abastecia a iluminação nos Estados Unidos fornecendo querosene. John Pierpont Morgan e George Westinghouse entraram na dança da eletrificação e Rockfeller não tinha mais o que fazer com o querosene, e então começou a refinar a gasolina, que antes jogava fora, para abastecer motores à combustão Interna (ICE) que, até então, eram movidos por… hidrogênio. Em um velado acordo de nada-cavalheiros, as coisas se dividiram com a turma da eletrificação deixando os automóveis com a gasolina e a turma do petróleo deixando da eletrificação com energia elétrica e luz. Cada um investiu bilhões em seus setores e ninguém queria perder o que gastou. Em resumo, é isso.
Por isso tudo parou no tempo. Aqui e ali as grandes montadoras continuaram pesquisas e avançaram nas tecnologias alternativas ao combustível fóssil (que não, não vai acabar daqui há 10 anos…), porém lá se vai mais de um século de investimentos em infra-estrutura para veículos com esta motorização em todo o planeta. A própria gasolina, o diesel e o etanol vem sendo constantemente aprimorados. São bilhões de dólares investidos em todo esse retro-sistema, e não vai ser agora, assim do nada, no estalo, que vai acabar o motor de combustão interna como conhecemos e tudo será elétrico, combustível sintético ou água.

Os motivos supra-citados devem incluir, também, o custo do desenvolvimento pleno destas alternativas, o que torna o produto final inviável economicamente para a indústria. Veja os EVs, os HEVs e os PHEVs. São tecnologias caríssimas, com manutenções caríssimas, problemas a médio e longo prazo inimagináveis e certamente caríssimos, enfim, sai muito mais caro o molho do que o peixe, e o primeiro-mundo já descobriu isso. Duvida? Tente revender um “usado” desses com mais de 3 anos por lá. Se conseguir vender, será por uma ninharia para se livrar e o prejuízo será também caríssimo.

Como em terra de esqueleto toda fratura é exposta, os “grandes” da indústria automotiva já se mancaram, vão reaver tudo o que investiram produzindo ao vender e consertar o que conseguirem, mas já voltaram o olhar para os HICEs. De novo. Porquê de novo? Por quê o franco-suíço François Issac de Rivaz projetou em 1806 o motor de Rivaz, primeiro motor à combustão interna, abastecido com hidrogênio/oxigênio; em 1863 o francês Étienne Lenoir produziu o Hippomobile, em 1970 Paul Dieges patenteou um motor de combustão interna modificado que permite que um motor movido a gasolina funcione com hidrogênio. General Motors, Toyota, Honda, Hyundai, Ford, Daimler, Nissan, BMW, Ferrari, Volkswagen etc já se aventuraram no mercado com modelos com motorização HICE, em sua maioria a versão mais cara do negócio, a Fuel Cell, e a diferença entre um veículo Fuel Cell e um Hidrogênio Molecular é que o processo Fuel Cell converte quimicamente o hidrogênio em eletricidade, enquanto o Hidrogênio Molecular é um combustível de combustão oxidativa (combustão oxidativa é uma reação química que ocorre quando um combustível é oxidado pelo oxigênio, gerando calor e luz, como a gasolina), como em qualquer motor ICE, e seu abastecimento também acontece da mesma forma – uma mangueira carrega o tanque com Hidrogênio.

Um motor HICE é simplesmente uma versão modificada do motor tradicional ICE a gasolina, e a ausência total de Carbono no Hidrogênio Molecular garante que nenhum CO2 (Monóxido de Carbono, Hidrocarbonetos e Dióxido de Carbono) é produzido e lançado na atmosfera, diferentemente do uso de derivados de petróleo e do Etanol em todas as suas variações. A combustão do Hidrogênio ocorre em uma atmosfera de Nitrogênio e Oxigênio, porém produz Dióxido de Nitrogênio, o que o tira da categoria “emissão zero”, mas é o mais próximo disso, muito mais barato do que o sistema Fuel Cell, muito mais barato ainda do que qualquer sistema “eletrificado” – tanto na produção quanto na manutenção – e, de novo, seu calcanhar-de-aquiles está na rede de abastecimento em todo o mundo, que ofertam apenas gasolina, diesel e etanol – as vezes também o GNV (Gás Natural Veicular), uma opção comum no Brasil, cujo valor é mais barato do que os combustíveis citados, maior autonomia e baixa emissão de poluentes, porém, motores movidos à GNV oferecem pouca potência, desgaste excessivo das válvulas e trincas de cabeçotes. Ou seja, ajuda até a hora que atrapalha.

Resumindo, o motor tipo HICE é o mais próximo da categoria PERengine até o momento. Existem navios, trens, submarinos e tentativas de fazer aviões voarem com esse tipo de unidade motriz. Se vão entrar na onda dos veículos híbridos – o que continua parecendo estupidez misturar 2 tecnologias distintas – ninguém ainda sabe. Se os interesses geopolíticos e financeiros do mundo que detém o poder vão deixar as tecnologias chegarem, a preços terrestres, ao mercado, também ninguém sabe. O que se sabe é que nada é pelo planeta ou pela humanidade, tudo é por dinheiro e poder.