Dicas de Português – 12/05

Cuidado com os “outros”…

É preciso estar atento ao uso do pronome indefinido “outro”. Ele pode aparecer com vários sentidos. É empregado, por exemplo, para fazer referência a algo que esteja fora do âmbito do falante e do ouvinte, contrapondo-se a algo ou a alguém conhecido ou definido (“Em outros tempos, isso não teria acontecido”, “Em outro lugar, isso poderia ser tolerado, mas aqui as regras são rígidas”).
Note-se que, nesses casos, o pronome “outro (s)” acompanha um substantivo. Quando mencionamos “outros tempos”, fica implícita a oposição ao tempo atual; quando tratamos de “outro lugar”, está subentendida a oposição ao lugar em que estamos.

Quando não se refere a uma realidade externa ao texto (como nos casos anteriores), o  pronome retoma um termo anterior. Podemos, por exemplo, dizer: “Ganhou um presente ontem e quer outro hoje”. Nessa construção, “outro” (agora com valor substantivo) retoma o termo anterior (“presente”).
Veja, agora, o seguinte fragmento:

Ao lado de colegas da Europa e de outros países da América do Sul , os deputados Chico Alencar (PSOL-RJ) e Marina Sant’Anna (PT-GO) participaram de recente missão de paz na Faixa de Gaza.

O  redator fez uso do pronome “outros” naturalmente para aludir implicitamente ao Brasil (outros países da América do Sul, que não o Brasil). Ocorre, porém, que a formulação geral da frase leva a um sentido não pretendido.  Observe-se que o termo “Europa” tecnicamente impede o uso do pronome “outros”, sob pena de estarmos dizendo que a Europa é um país (!) e, ainda por cima, da América do Sul. Isso acontece porque o pronome “outro” retoma o termo anterior (no caso, “Europa”).
Abaixo, uma sugestão para reelaborar o fragmento:

Ao lado de colegas da Europa e de vários países da América do Sul, os deputados Chico Alencar (PSOL-RJ) e Marina Sant’Anna (PT-GO) participaram de recente missão de paz na Faixa de Gaza.

 

 

Vírgula antes do “e”

(1) “Anvisa não foi notificada, e diz que vai recorrer”

(2) “O governador Geraldo Alckmin tem uma enorme preocupação com a questão da segurança, e saberá tomar a decisão mais equilibrada.”

(3) “A SPR, em nota, diz que ‘o contrato com o Corinthians foi celebrado em junho de 2008’, e que na época ‘não teve qualquer concorrência, pois o sistema foi criado pela SPR e pelo Corinthians’.”

De modo geral, não se usa vírgula antes das conjunções aditivas (“e”, “nem”). A conjunção “e”, além de estabelecer relação de adição entre termos de uma oração ou entre orações, serve para finalizar uma enumeração. Em qualquer uma dessas situações, não cabe o uso da vírgula antes dela.

Nos três fragmentos acima, como se pode perceber, a vírgula foi incorretamente empregada antes do “e”.  Nos exemplos (1) e (2), a vírgula assinalou – indevidamente – a separação de orações.

Note-se que seria cabível e, em alguns casos, recomendável o emprego da vírgula para separar orações aditivas (encabeçadas pelo “e”) de sujeitos diferentes. Isso quer dizer que, sendo os sujeitos diferentes, é cabível o emprego da vírgula antes do “e”. Cabível, mas nem sempre obrigatório. Veja o seguinte caso:

Ela cantava suavemente e o gato dormia no sofá. (sujeitos diferentes sem necessidade de vírgula)

Se, no entanto, a construção puder conduzir a uma leitura ambígua, a vírgula será necessária. Veja a estrutura abaixo:

Ela trazia as compras e o marido segurava o cachorro.

Num caso como esse, emprega-se a vírgula, para deixar claro que  “o marido” é o sujeito de uma segunda oração, não a segunda parte do objeto direto. Assim:

Ela trazia as compras, e o marido segurava o cachorro.

Nos casos (1) e (2), a conjunção “e” une orações de sujeito idêntico; não há, portanto, justificativa para o uso da vírgula. No período (3), a conjunção “e” une duas partes de um objeto direto (A SPR diz que… e que… ), outra situação em que não cabe a vírgula.

Veja abaixo os fragmentos corrigidos:

(1) Anvisa não foi notificada e diz que vai recorrer

(2) O governador Geraldo Alckmin tem uma enorme preocupação com a questão da segurança e saberá tomar a decisão mais equilibrada.

(3) A SPR, em nota, diz que “o contrato com o Corinthians foi celebrado em junho de 2008” e que na época “não teve qualquer concorrência, pois o sistema foi criado pela SPR e pelo Corinthians”.

 

 

Adjetivo antes de vários substantivos

“[Ela tem] ótimas pronúncia, entonação e divisão das sílabas. [Ela é] melhor do que a Ivete.”

O comentário feito acerca da cantora Claudia Leite exemplifica a frequente confusão que se observa hora de fazer concordar um adjetivo com vários substantivos. A tendência é aplicar um princípio supostamente lógico e pluralizar o adjetivo. Não é isso, porém, o que recomenda o registro culto da língua.

Para bem compreender a questão, devemos, em primeiro lugar, observar a posição do adjetivo em relação à sequência de substantivos que ele caracteriza. Se estiver anteposto, como na frase em epígrafe, concordará com o elemento mais próximo. Assim: “Ótima pronúncia, entonação e divisão das sílabas”.

Caso estivesse posposto à sequência, haveria duas possibilidades de concordância. Assim: “pronúncia, entonação e divisão ótimas” ou “pronúncia, entonação e divisão ótima”. Esta última hoje é menos frequente – talvez porque, à primeira vista, pode dar a entender que o adjetivo se refere apenas ao último elemento. As duas construções, entretanto, são corretas.

Como se vê, é o adjetivo anteposto à sequência que concorda necessariamente com o elemento mais próximo. Exceção a essa regra ocorre quando o adjetivo em questão qualifica dois ou mais nomes próprios. Nesse caso, mesmo anteposto, deverá flexionar-se no plural. Assim: “os célebres Machado e Alencar”.

Também se empregará o plural – obrigatoriamente – quando esse adjetivo exercer a função de predicativo (na prática, quando estiver atribuído aos substantivos por intermédio de um verbo). Assim: “Consideradosculpados, a mulher e seu marido foram presos”, “Estavam cansados o atleta e o treinador”.

Abaixo, a construção correta:

[Ela tem] ótima pronúncia, entonação e divisão das sílabas. [Ela é] melhor do que a Ivete.

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